Carta ao IMPIC
Este é o conteúdo da exposição subscrita presencialmente por 1.041 profissionais de mediação imobiliária de todo o país, a operar em diferentes mediadoras e marcas de mediação, entregue em mão própria no Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P (IMPIC), ao cuidado do Exmo. Sr. Presidente do Conselho Diretivo do IMPIC, Dr. Fernando Batista, no dia 29 de Junho de 2023.
EXPOSIÇÃO DOS FACTOS E DA PROBLEMÁTICA
As empresas de mediação imobiliária têm como atividade principal a promoção de imóveis, para os quais se obrigam a diligenciar no sentido de encontrar interessados para um dos seguintes negócios jurídicos: compra, trespasse, arrendamento ou negócio similar.
No segmento residencial fala-se essencialmente em compra e arrendamento. E a relevância dessa atividade para o sector da mediação imobiliária – a promoção e a publicitação da venda ou arrendamento de habitações – está bem patente no espaço público, onde se encontram inúmeras Mediadoras e respetivos agentes imobiliários a oferecer os seus serviços.
De acordo com o regime jurídico a que está sujeita a atividade de mediação imobiliária, “É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária”[1]. O que significa que os proprietários dos imóveis se constituem como clientes das empresas de mediação, após assinatura do Contrato de Mediação Imobiliária (CMI).
Sucede que, como se irá demonstrar, há empresas de mediação imobiliária que, por motivos arbitrários, aos quais não existe qualquer referência nos CMI, rejeitam potenciais interessados na compra ou arrendamento das habitações dos seus clientes, as mesmas habitações para as quais se obrigaram contratualmente a diligenciar esforços para encontrar interessados na compra ou arrendamento. Considera-se que tal prática constitui:
a) Uma violação dos pressupostos do serviço que se espera que seja prestado, e dos fundamentos daquela relação comercial;
b) Um incumprimento dos contratos de mediação imobiliária.
Acredita-se que desta prática resulta ainda outra ilicitude, uma vez que:
1) Os contratos de mediação imobiliária dispõem, no número 1 da Cláusula 2ª, que a Mediadora se obriga “a diligenciar no sentido de conseguir interessado”[2] na compra, trespasse, ou arrendamento de um imóvel, não havendo no texto menção a qualquer contingência, limitação ou restrição daquilo que se entende por interessado;
2) A citação referida no ponto anterior faz parte do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais anexo à Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, que dela faz parte integrante, e que a mesma identifica como sendo o único que está dispensado do procedimento de aprovação prévia;
3) O recurso a outro clausulado geral que não o que consta em anexo na referida portaria, “não pode ser utilizado enquanto não tiver sido validado”[3] pelo IMPIC.
Conclui-se, por isso, que há Mediadoras que incorrem factualmente em práticas cuja aplicação, não estando prevista, teria de ser sido sujeita à obrigatoriedade de obter a aprovação prévia do IMPIC, aprovação essa que não terá sido obtida. Razão pela qual não consta nos seus contratos e, por conseguinte, não poderia nem pode estar a ser aplicada.
Qualquer abordagem favorável à ideia de que a origem do interessado, única e exclusivamente por ser apresentado por profissional de outra Mediadora, o destitui da sua qualidade de interessado, para além de incorrer numa falácia evidente (a especificidade do atributo não o destitui da sua categoria genérica), só pode resultar de um desconhecimento ou desinteresse pelos fundamentos do mercado, e daquelas que são conhecidas como as melhores práticas de mediação em Portugal e em países onde o sector é mais maduro.
A arbitrariedade de uma Mediadora definir unilateralmente e a todo o momento (sem qualquer explicação aos clientes ou explicitação contratual), quem são ou não são os destinatários dos negócios jurídicos que se obrigou a diligenciar, está na base de parte do obscurantismo do qual este sector ainda padece, com danos para a sua transparência e virtude, prejuízos materiais para os clientes das Mediadoras (proprietários), e para os destinatários dos negócios jurídicos (compradores ou arrendatários). E entende-se que esta é uma problemática vital para a afirmação da credibilidade da mediação imobiliária em Portugal, para a promoção das boas práticas, e para a salvaguarda dos interesses dos direitos consumidores.
Esta exposição tem como finalidade denunciar o incumprimento reiterado, por parte de algumas Mediadoras, dos contratos de mediação imobiliária. Nomeadamente, a arbitrariedade de uma Mediadora considerar (sem o declarar) que os “interessados” nos negócios jurídicos que se obrigou a tentar conseguir, não compreendem aqueles que não a tenham elegido como assessora na sua posição de interessados no dito negócio jurídico. Ou seja, única e exclusivamente pelo simples facto de terem optado por ser acompanhados por profissionais de outra Mediadora.
O que se pretende é que ao Segundo Contratante de um CMI, a bem da plenitude e clareza da informação que lhe é prestada (e devida, como em qualquer sector regulado), seja totalmente esclarecida a redação da Cláusula 2ª do CMI (Identificação do Negócio), em que é definida a esfera de atuação do Primeiro Contratante.
Não se idealiza outro cenário que não a obrigatoriedade de facultar aos clientes, de forma clara e inequívoca, a informação sobre qual é o universo dos interessados no negócio jurídico que a Mediadora se obriga a tentar identificar, e quem está desse universo excluído. Nem que se permita às Mediadoras, que por via da omissão, encubram a limitação da sua própria atuação, incumprindo a Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto. Até porque, querendo limitar a sua ação, o enquadramento legal em vigor permite à Mediadora solicitar a aprovação de outro clausulado, cabendo ao IMPIC, no âmbito das suas atribuições, a validação do mesmo.
Os anexos que se juntam a esta exposição fazem prova da discricionariedade com que, consoante a estratégia que lhes importa aplicar, há Mediadoras que desconsideram a Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, e deliberam (sem o declararem nos CMI que celebram com os seus clientes), que só é destinatário ou interessado para os negócios jurídicos que se obrigaram a diligenciar, quem unilateral e arbitrariamente, a Mediadora decide sê-lo a cada momento.
É evidência disso mesmo, entre outros, o Manual de Procedimentos de Fevereiro de 2021 da Remax Portugal (Anexo III), onde consta que procedimentos elementares em mediação imobiliária como “Partilhar contactos directos ou a entidades intermediárias, de clientes, efectuar negócios e/ ou visitas com Marcas impedidas de partilha – KW e Zome”, têm como penalização “(...) a remoção do agente da rede, sendo que o agente não poderá regressar à rede”.
Estes factos são apenas a face visível (aquela que foi possível documentar) duma prática disseminada entre várias marcas de mediação, mas para a qual esta marca contribui com a produção de prova. Porque é precisamente a informalidade do seu âmbito que torna esta prática tão difícil de detetar pelos clientes, os principais prejudicados pela sua aplicação.
Os termos em que está a ser aplicada a exclusão de potenciais interessados constituem um claro incumprimento contratual. No entanto, volta a sublinhar-se que a eventual legitimidade destas limitações da atuação da Mediadora ao serviço do cliente poderia ser alcançada, conforme o artigo 3º da Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, mediante a solicitação ao IMPIC de autorização prévia para a introdução de algum tipo de contingência, devidamente detalhada, no clausulado do CMI. Só deste modo estaria salvaguardado o direito dos clientes a estarem:
1) Plenamente informados sobre os serviços que lhes serão prestados, e aqueles que não serão, aquando da celebração do contrato.
2) Devidamente esclarecidos sobre a oferta de serviços mais favorável aos seus interesses, para poder decidir que Mediadora contratar.
Neste contexto, regista-se com agrado a intervenção de V. Ex.a, em entrevista ao Jornal Expresso, publicada em 17 de Junho de 2022, quando refere que "Gostaríamos que houvesse a obrigatoriedade de formação e que essa obrigatoriedade se estendesse não só aos representantes legais e técnicos de mediação, mas também aos angariadores, que têm contrato de prestação de serviços.”, e que a formação versará sobre "os direitos e obrigações das partes num contrato de compra e venda ou de arrendamento, coisas tão simples sobre como se medem as áreas e como elas podem ser divulgadas, ética". Parece seguro pressupor da sua concordância sobre ser igualmente importante que os profissionais ligados à mediação imobiliária entendam que, ao limitar ou restringir o universo de destinatários do imóvel que um cliente lhes confia, estão também desde logo, a condicionar os termos da comercialização desse mesmo imóvel. Porque o estreitar do número de destinatários de um dado produto imobiliário, não acontece sem um potencial condicionamento do seu valor de mercado.
Acresce ainda que a aplicação deste princípio limitador a qualquer relação profissional com potenciais compradores ou arrendatários dos imóveis (aqueles que são usualmente descritos como “interessados” ou “destinatários” nos CMI), traduzir-se-á sempre numa visão fracionada daquilo que é a totalidade do mercado, ferindo a amplitude de acesso à habitação percecionada por aqueles que confiarem a estas Mediadoras os seus destinos.
A compra e venda de habitação são tidas usualmente como as maiores transações financeiras na vida dos residentes em Portugal. O incumprimento por parte de Mediadoras, dos contratos que estas mesmas empresas celebram com os clientes, e da aplicação de práticas cuja aplicação carece da aprovação do IMPIC, constituem um prejuízo substancial para os interesses dos clientes.
Acredita-se que as ações e medidas urgentes que este tema exige, se enquadram cabalmente na Missão, Visão e Valores do IMPIC. E que agir de forma célere por forma a pôr cobro a estas práticas, não só se coaduna com o discurso de V. Ex.a ao Jornal Expresso, publicada em 17 de Junho de 2022, como dá corpo ao Lema do IMPIC: “Dar forma ao Futuro”.
E esperam-se ações céleres e urgentes por um motivo: sem prejuízo de melhor opinião, não se está a discutir a produção de nova regulamentação; apenas a pedir ao IMPIC que atue face às suas atribuições, previstas no Decreto-Lei n.º 232/2015, e face ao que está disposto na Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto.
Considera-se importante uma reflexão, não apenas sobre os factos para os quais se está a pedir V. Ex. atenção imediata – o incumprimento dos CMI e do dever de informação para com os clientes – mas também sobre que papel pretendem as Mediadoras desempenhar no futuro, e que valor se propõem a acrescentar.
A expetativa legítima do cidadão comum sobre o papel das Mediadoras e dos profissionais que trabalham em sua representação, é a de que estes contribuam com mais informação, conhecimento, esclarecimento e amplitude de opções.
Mas não é esse o contributo de Mediadoras que se permitem reduzir o raio da sua própria ação sem informar disso mesmo os clientes. Seja ignorando os interessados que escolheram ser assessorados por outras Mediadoras a operar no mercado, ou omitindo os imóveis que essas Mediadoras promovem, ou através de outros expedientes cuja consequência é invariavelmente a mesma: a redução de mercado para os imóveis dos clientes que se obrigaram a promover, ou a limitação de opções de habitação para aqueles que confiam na Mediadora para os assessorar na pesquisa e seleção de casa para comprar ou arrendar.
Aspira-se a uma mediação imobiliária mais profissional e transparente. E acredita-se que a concretização dessa intenção passa pela valorização do papel do CMI, enquanto veículo de informação e clareza. E que isso só será possível com medidas a conduzir pelo IMPIC, de caráter fiscalizador, vinculativo ou pedagógico, ou outro entendido adequado por V. Ex.a, para pôr termo às práticas referidas, que ferem a credibilidade e a própria legitimidade da mediação imobiliária em Portugal.
Confia-se que as preocupações elencadas nesta exposição mereçam a melhor atenção do IMPIC. E que este momento possa ser um ponto de partida para, doravante, ser promovido um diálogo mais próximo entre regulador e aqueles que estão no terreno.
[1] N.º 6 do art.º 2º da Lei 15/2013, de 20 de Agosto in Diário da República n.º 28/2013, Série I de 2013-02-08, páginas 760 - 769
[2] in Diário da República n.º 155/2018, Série I de 2018-08-13, páginas 4064 - 4067
[3] in Diário da República n.º 155/2018, Série I de 2018-08-13, páginas 4064 - 4067